Por Adriana Schneider Alcure
– Esta é a primeira vez que estive na MITsp. Fui convidada por Leda Maria Martins e Natasha Corbelino para integrar o eixo Olhares Críticos, na ação Práticas da Crítica. A proposta da curadoria era “coreografar” atravessamentos provocados pela experiência na 9ª MITsp, nos convocando a compor um texto, este texto aqui. Exercício de escrita “performativa”, “lúdica” e “criativa” são as palavras escolhidas pelas curadoras para nos liberar da necessidade de produzir crítica teatral em sua acepção formal. Integraram esta ação: Adriana Pavlova, Alexandra Dumas, Anderson Feliciano, Carmen Luz, Julia Guimarães, Lucelia Sergio, Valmir Santos e eu. Cada uma / ume / um de nós estaria na MIT em dias diferentes. Algumas destas pessoas se encontraram e outras não, algumas conviveram por mais ou menos tempo.
– Escrevo em modo de escuta, animada pelos encontros que tive durante a MIT com Leda Maria Martins, Carmen Luz, Natasha Corbelino, Adriana Pavlova, Sara Wagner York, Tiganá Santana, Luciana Fróes, Lucelia Sergio, Val Souza, Luciane Ramos Silva, Clara Kutner, Felipe Ribeiro, Fabiano de Freitas e Joy Rodrigues. Este texto é criado nestas relações, mais ou menos densas, durante os encontros que se deram enquanto tomávamos café da manhã do hotel; dividíamos uma pizza depois da meia-noite; esperávamos nos saguões para entrar nos espaços; nos deslocávamos no carro de aplicativo, dividindo os custos, de uma apresentação para outra; ou tomando uma cerveja Anticolonial IPA do MTSTC – Movimento Sem Teto do Centro, na Ocupação 9 de Julho, ponto de encontro noturno oficial da MIT.
– Escolho trazer aqui algumas anotações feitas em um caderno pautado, às vezes no momento mesmo das apresentações, às vezes nas brechas dos acontecimentos, ou sozinha no quarto de hotel. Escrevo articulando lembranças que permaneceram, atravessamentos e pensamentos registrados em caneta no papel. São perspectivas opacas das notas filtradas, das falas contundentes, emocionadas, inflamadas, inconclusivas, equivocadas, certeiras, vibráteis, amorosas, críticas, oportunistas, silenciosas, abertas, fechadas, visionárias, datadas, visíveis e invisíveis. Texto escrito na velocidade do acontecimento, em dois dias apenas, com pouca revisão e distanciamento, um pouco de coragem e muito desapego. Escrita perigosa.
– Cheguei em São Paulo no dia 4 de março e voltei para o Rio de Janeiro, onde vivo e trabalho, no dia 8 de março. Estes foram os espetáculos e ações que presenciei com muita fome e curiosidade: A História do Teatro Ocidental Coreano, de Jaha Koo; aula-magMa com Achille Mbembe; Lolling and Rolling, de Jaha Koo, seguido de Diálogos Transversais com Carmen Luz e Yara de Novaes; Diálogos: a cena e a cidade, com Oru Florydo Fogo e Morgana Olívia Manfrim; Ané das Pedras, da Coletiva Flecha Lançada Arte; Eunucos, das Irmãs Brasil; Preta Rainha, de Wilemara Barros e Cia Dita, seguido de Pensamento em processo com Fabiana Cozza, Lucelia Sérgio e Wilemara Barros; Abissal, com Elton Panamby; Sem Nome, com Yurungai; Lança Cabocla, com Abeju Rizzo, Inaê Moreira e Tieta Macau; O que mancha, de Beatriz Sano e Eduardo Fukushima; Profético (nós já nascemos), de Nadia Beugré com Beyoncé, Canel, Jhaya Caupenne, Taylor Dear, Acauã Shereya El Bandide e Kevin Kero; Mandinga do futuro, com Puma Camille e Capoeira para todes; Meu corpo está aqui, de Julia Spadaccini e Clara Kutner, com Bruno Ramos, Haonê Thinar, Juliana Caldas e Pedro Fernandes; Contado pela Minha Mãe, de Ali Chahrour, seguido de Pensamento em processo com Dione Carlos e Ali Chahrour.
– Nós éramos responsáveis pelos nossos próprios deslocamentos. Nesta coreografia pela cidade labirinto de São Paulo, “a maior cidade da América Latina” e “o estado mais rico da federação”, como se diz por aí, estive nos seguintes equipamentos de cultura e educação: Biblioteca Mário de Andrade, Centro Cultural Olido, CCSP – Centro Cultural São Paulo, Salão Nobre da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FD – USP), SESC Vila Mariana (Teatro Antunes Filho), Teatro Arthur Azevedo, Teatro do SESI-SP, Teat(r)o Oficina Usyna Uzona. Para alguém como eu que vive do Rio de Janeiro, uma cidade que é compreendida como parte do centro nervoso de concentração das produções de arte e cultura no Brasil, experienciar tantos equipamentos e instituições funcionando vivos, cheios de gente, minimamente estruturados, materializa a percepção das distâncias, das desigualdades de condições e dos acessos em que ainda nos encontramos. Los centros y periferias no existen pero que los hay los hay.
– As artes em campo expandido, a porosidade das fronteiras entre as linguagens artísticas, tirar do centro o que está no centro foram algumas das questões que organizaram a curadoria desta edição da MITsp. Deslocar e provocar desconforto na branquitude, categoria social estrutural e estruturante, craquelar o referencial neutro das máscaras brancas, foram algumas das proposições para problematizar os modos de vida, de criação e de produção hegemônicos das artes dedicadas à cena. O caminho é acidentado e longo, pois como diz Silvia Rivera Cusicanqui: “el decolonial es una moda, el poscolonial es un deseo y el anticolonial es una lucha.”
– O que se viu e se experimentou na 9ª MITsp não me parece uma tendência. Parece ser o próprio tempo manifestado. “A teatra é o próprio tempo”, como escreveu Dodi Leal no catálogo recém-publicado desta edição. São os “raios de urgência e esperança”, “nosso desejo de respirar”, como disse Mbembe em sua aula-magMa. Nessa conjuntura histórica de xepa civilizatória (como ouvi da poeta Luiza Leite) não estamos diante de uma tendência, mas de ações de reparação, colheitas, aqui e ali, de um longo processo de plantio e replantio, insistência e trabalho de movimentos sociais e muitos paradoxos. Talvez o que podemos fazer seja sustentar e manter os paradoxos das identidades em política, tentar fluir, deixar ir e ver o que acontece.
– As artes da cena no Brasil sempre foram dissidentes, é assim que vejo, mesmo no século 19, quando nos tornamos a sede matriz do Império colonial português. As linguagens artísticas e as expressões da cultura no Brasil, especialmente em suas margens, sempre operaram, “hibridamente”, em campo expandido. Compreender essas cenas de outro jeito é um posicionamento que nos impulsiona a rever histórias e historiografias, para serem refeitas desde a urgência do nosso tempo. É preciso sempre lembrar, como diz Jacques Le Goff, que “o passado é uma construção e uma reinterpretação constante e tem um futuro que é parte integrante e significativa da história”. Mas essa revisão tropeça, recorrentemente e propositalmente, nos modos de produção implicados, mais complexos de serem reparados: distribuição desigual de verbas; circuitos excludentes de difusão; hierarquização dos saberes e funções; desarticulação entre as políticas da forma e do conteúdo; legitimação acrítica da lógica das premiações; programadores, produtores culturais, gestores, jurados e curadores homogêneos; acessos institucionais meritocráticos coloniais; epistemologias subservientes ao centro-norte; romantização e minorização das produções ditas populares e periféricas; hegemonia da falácia neutra; desigualdades territoriais; etc.
– Vamos remontar aos anos 1980, trazidos aqui como marco estratégico para organizar alguns argumentos deste texto e nos lembrar que há sempre alguém que veio antes de nós. Desde esse contexto, movimentos sociais organizados negros, indígenas, feministas, travestis e transgêneros, sindicais e de agricultores vêm tentando pautar os debates civis e institucionais nas diversas instâncias da vida social, para implementar ações de reparação histórica. Em suas andanças pelo Brasil nos anos 1980, Felix Guattari testemunhou alguns desses impasses, as disputas dissensuais internas nestes movimentos e o assombro com a demora da articulação entre micro e macropolíticas. E só décadas depois, especialmente entre os anos de 2003 e 2016, vemos esses movimentos implementarem suas agendas, implicando os campos públicos institucionais. As políticas de ações afirmativas nas universidades, as tensões nas disputas das políticas públicas para as artes e a cultura, por exemplo, ainda que muito tímidas, provocaram rachaduras superestruturais significativas, revelando a urgência da mudança nos currículos acadêmicos, nos parâmetros de editais e programas, na distribuição do dinheiro, nos corpos e corporeidades que estão (e não estão) nestes espaços. Estas frestas evidenciaram as dívidas históricas, deslocaram centros e desmascararam a suposta neutralidade das hegemonias brancas, classistas, cis e patriarcais. Entretanto, assim como Chico Mendes dizia que “ecologia sem luta de classes é jardinagem”, identidades em política apartadas da relação interseccional e dos abismos socioeconômicos são facilmente capturadas pelos dispositivos neoliberais.
– A 9ª MITsp promoveu um encontro entre gerações, encarnada na presença de Leda Maria Martins, Rainha de Nossa Senhora das Mercês da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário do Jatobá. Foi ela quem trouxe o movimento em espiral do tempo para esta edição e foi referenciada e reverenciada por todes participantes. É também ela, junto com outras pessoas, quem vem pautando o debate, desde pelo menos os anos 1980, mas que só agora, por conta dos sintomas do atraso e da violência colonial epistêmica, faz ressoar suas pesquisas e pensamentos nos campos intelectuais e artísticos, movendo outros projetos criadores. Como disse a professora e jornalista Rosane Borges em sua intervenção na aula de Mbembe na MIT, “são as mulheres negras, habitantes das bordas do mundo, quem veem primeiro”. Leda é uma destas mulheres que viram antes de nós. Leda é a nossa poeta-intelectual não-sintética, no sentido definido por Nego Bispo e que, agora depois desta MIT, passa a ser também a nossa diva do vogue.
– O que pode a transição na arte quando os centros se movem? Na MITsp 2024, as / os / es curadores, produtores, assistentes, artistes, público se movimentaram e subverteram privilégios. Quando o movimento acontece, é preciso seguir mudando, sem pausa. “Transição é sempre”, como diz Miro Spinelli. Nesta edição, as diversidades foram visibilizadas nas múltiplas camadas produtivas do evento. Mas o que necessitamos seguir movendo? Talvez o setor produtivo da MIT, que ainda precisa ser desarrumado, seja o grupo de programadores de festivais. Talvez esteja ainda aí a manutenção de uma certa concentração produtiva e uma menor diversidade. Tudo parece se organizar em relação a este centro da cadeia produtiva: a estrutura disponibilizada pela mostra para o grupo, o modelo de negócio disposto para artistes promoverem seus trabalhos, a noção efêmera de tendência, etc. A presença do grupo na plateia alterava o estado das apresentações, talvez por confluir expectativas importantes: os desejos de novos contratos, as perspectivas de circulação pelo Brasil e pelo mundo, frentes de trabalho, possibilidades de se viver de arte, etc. Modulavam também uma noção de reconhecimento e de distinção, no sentido das análises de Pierre Bourdieu mesmo. Precisamos atentar, porque podem ser sintomas e aspectos do debate decolonial capturado. Que protocolo invisível é este, que parece blindar a possibilidade de uma interação fluida como ocorreu com outros setores produtivos do festival? O que estamos vendendo, o que se deseja comprar? Bora pensar mais?
– Estamos diante de artistes e de trabalhos artísticos que são também a vida das pessoas. Não num sentido biográfico, mas nas dimensões políticas das múltiplas formas de se viver. É sobre uma ecologia diversa das artes que abarque outros modos de vida e cosmogonias, é sobre a opção de construir uma “comunidade de vida” e a “possibilidade de vivermos em um espaço ético compartilhado”, como nos disse Mbembe.
– Foi no Salão Nobre da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FD – USP), onde José Celso Martinez Corrêa foi estudante, entre 1955 a 1960, e iniciou o Teatro Oficina, que ouvimos a aula-magMa “Democracia substantiva na Era do Animismo”, de Achille Mbembe, tendo Roberta Estrela D’Alva como mestra de cerimônias. O prédio foi construído nos anos 1930, em estilo neocolonial. O público que estava ali presente e as palavras de Mbembe subverteram esta arquitetura e seu mobiliário, mas também explicitaram, muito didaticamente, as tensões e as transformações do nosso tempo. Como artistes da cena sabemos que os espaços não são neutros. E nesse sentido, a posição do espectador na plateia, o lugar de onde ele vê, escuta e interage também desencadeiam as políticas da cena. O local onde estes espaços estão situados na cidade, o entorno, o chão histórico onde foram construídos, os apagamentos das reformas urbanas revelam as relações de forças implicadas. Todas estas forças se intensificam na cena, precisamos seguir jogando com isso.
– O Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona, na Rua Jaceguai 520, no bairro da Bela Vista é um espaço, e uma matéria-espaço, que manifesta poéticas e políticas visíveis e invisíveis. O motorista do táxi que me levou até lá, pediu a seguinte indicação aos seus colegas do ponto: “esse teatro que fica ali na Rua Jaceguai é aquele negócio do Silvio Santos?”. De fato, são muitos mundos e distintas maneiras de se viver que estão em disputa no Brasil de hoje. Precisamos pensar para agir mais sobre isso, criar considerando estas relações. A última vez que eu tinha estado no Oficina foi em 2013, em um encontro de artistes e trabalhadores da cultura que tentavam entender o que estava acontecendo nas ruas no calor daquele momento. Ao entrar nesse espaço agora em 2024, fui tomada por diversos atravessamentos. O coração disparado, os poros abertos, a pele muito viva, só parei, fiquei e respirei. Viva Zé! Viva o Parque do Rio Bexiga! Obrigada.
– A performance Abissal, de Elton Panamby nos conduziu ao transe, também por estar sendo apresentada neste espaço ampliado, mágico e historicamente dissidente, da arquitetura aos corpos, que o Teatro Oficina é. Poderia ficar muito tempo ali, deitada na arquibancada, imersa nessa composição tocada por Panamby, que nos pôs a ouvir as águas, o degelo, as vozes de quem ficou para sempre nas profundezas das fossas abissais do Atlântico. Abissal me pegou de jeito e transbordou a proposta da MIT pela política das vibrações. É um trabalho de quem não começou ontem a lidar com os dilemas e as matérias do nosso tempo. Isso faz toda a diferença se observarmos alguns trabalhos que foram apresentados, mas que se mostraram frágeis e datados por fazerem uma cena que se justifica mais do que age.
– O espaço altera e implica a cena. Alguns trabalhos se complicam quando mantemos o público no conforto da cadeira protegida e mergulhada no breu da relação frontal entre palco-plateia. Sim, nem sempre, sabemos, não é um dogma, apesar de ser uma velha questão. Mas se é a diversidade dos modos de vida que está posta como ética da cena contemporânea, então é preciso atentar ao consumo e ao risco de uma neo-exotização de sujeitos, a uma espécie de remontagem da exibição de seres humanos que se fazia no século XIX. Quem está sentado na plateia hoje? Quem deseja acessar modos de vida não hegemônicos, resolvendo estas distâncias abissais desde a cadeira confortável e protegida do teatro? Que efeitos de aproximação e distanciamento estamos promovendo? Precisamos pensar mais sobre isso.
– As “macumbarias” se fizeram presentes em vários trabalhos dessa edição. A Plataforma Lança Cabocla realizou, primorosamente, sua “macumbaria” evocada através de toadas de boi do Maranhão, dos tambores de mina, das umbandas e da jurema. A ciência prática da cabocaria, dos boiadeiros, dos encantados, ancestrais e eguns é ativada pelos corpos intensivos das atuadoras-performers, para fora do regime da representação. Nesta performance, as fronteiras cada vez mais porosas entre rito e cena, a dissolução das distâncias entre terreiro e teatro deixam de se opor, se desbinarizam e criam acontecimento mágico. As plantas, as sementes, os chifres de boi, o sal, a água, o fogo, os cheiros, as músicas são as matérias inteligentes e sensoriais que fazem girar os corpos das brincantes percorrendo uma dramaturgia cosmopolítica de processo ritual, através das técnicas que produzem o evento mágico e da inventividade. O começo se dá antes da gente entrar no teatro e começa de novo depois que vamos embora.
– No café da manhã do hotel, Tiganá Santana explicou para Carmen Luz e para mim que os tambores de timbre grave propagam ondas que se prolongam longe no espaço. São estes tambores que vão buscar o que está mais distante e marcam células rítmicas reconhecidas pelas tradições. Estes tambores falam línguas além de palavras que ritmam sentidos em padrões, contam histórias e movem gestos e passos específicos, danças e comportamentos. Por outro lado, os tambores agudos atuam no espaço mais próximo, por isso são tocados improvisadamente para conversar diretamente com as presenças que estão ali criando o acontecimento. Tambores não são coisas, são entes vivos.
– Puma Camillê, rainha do vogue e da capoeira, artiste ancestral, futurista e multidisciplinar, é a capitane dessa embarcação, e dentro dela cabe tudo, cabem todos, cabe sua mãe carnal e sua irmã, a família escolhida e a família de sangue, essa é a Mandinga do futuro. Ali Chahrour, coreógrafo libanês, também trouxe sua família para dentro da cena em Contado pela minha mãe. Ele dança em cena com a própria mãe, com o irmão e os primos. Acredita na força das histórias para manter viva a memória dos mortos, dos desaparecidos e dos antepassados. Um dançarino contador de histórias. “Eu devo morrer, mas você deve viver para contar a minha história”, escreveu um poeta de Gaza antes de morrer num ataque israelense, em dezembro de 2023. Dione Carlos e Val Souza trouxeram todas as mães que perdem seus filhes, diariamente, de forma violenta nas cidades brasileiras. As mães do Líbano, de Gaza, do Brasil, de todas as guerras de todos os tempos são aquelas que conhecem mais profundamente as feridas e as políticas da morte. A luta, em seus muitos sentidos, é pelo direito de respirar. E é assim que Mbembe encerra sua aula-magMa, que cito em tradução livre: “Aprendi muito com tudo que ouvi, as palavras, os sorrisos, os momentos de raiva e impaciência. Acho que tudo isso pertence a tudo o que acreditamos ser um lugar para respirar. Faz parte da respiração geral, estamos nos esforçando para isso, com muita clareza, pelo que ouvi. Há um foco nas atuais convulsões pelas quais todos estamos passando. E muitas dessas convulsões são tangíveis. Elas são corporais. Elas são epistêmicas. São até muito íntimas, mas nas suas diferenças fazem parte da experiência de todos nós que lutamos para respirar neste mundo sufocante de hoje. O que me parece um desafio em torno de questões de reconhecimento, mas também de reciprocidade. Desafio sobre até que ponto podemos esboçar, como muitos de vocês disseram: um horizonte de possibilidades. Possibilidade de espaço ético compartilhado. Isso é o que eu chamava de comunidade de vida no início da minha apresentação. Insisti muito na vida, mas muitos de vocês insistiram nos assassinatos e na morte. A questão é: como podemos ler a morte contra a vida, a vida contra a morte, não de uma forma niilista, mas de uma forma que reabra possibilidades de uma promessa partilhada de liberdade?”
– Seguimos.