Ministério da Cultura
e Redecard apresentam

 13 a 23 
 de Março 
 de 2025 

13 a 23 de Março de 2025

Vida longa a tudo que é finito

por Simone Waissman

Se você soubesse que esta é sua última refeição, o que pediria?

A Última Ceia, do Grupo Mexa, é sobre fome, mas nem sempre é sobre comida. Tem mais fome que comida. Saber que estou assistindo algo pela última vez me leva para um lugar diferente como espectadora. Tudo se torna mais especial e quero capturar cada detalhe. Logo percebo que o espetáculo também é sobre renascimento. Relaxo. Não preciso capturar tudo. O que tiver que ficar, vai ficar. Aceitar a finitude das coisas talvez seja mais uma tranquilidade do que uma angústia.

A obra homônima de Leonardo da Vinci inspira o espetáculo, que gira em torno da ideia de despedida. É simbólico que uma obra feita por um artista renascentista ficou tão eternizada. Atravessou tantos séculos e, ainda assim, é tão contemporânea. O que ficou eternizado? A pintura? A ideia? A imagem? Uma imagem é uma escolha. Uma memória é uma imagem. Se morremos tantas vezes em vida, também podemos lembrar do que já fomos, para nunca esquecer que ainda queremos ser. Ou não ser.

O MEXA renasceu muitas vezes desde a sua criação. Em alguns momentos, realmente achou que seria o último ensaio ou a “última ceia”. Acompanhamos os bastidores do espetáculo, ao mesmo tempo que assistimos o espetáculo. Vimos as brigas, os companheirismos, um pouco dos desafios de quem vive na rua. As cadeiras da ceia não estão todas ocupadas. O lugar do meio, seria feito por uma atriz que não pôde estar no espetáculo. Aquele lugar ficou vazio. E será preenchido quando ela voltar.

O fato desse espetáculo ser ao vivo traz uma força ainda maior. Poderia ser um documentário e o grupo cogitou essa possibilidade. Mas é ao vivo! É teatro! É performance! É um transe coletivo! Saí com vontade de assistir de novo, porque sei que vai ser diferente. Torço para ver o elenco completo, as cadeiras de A Última Ceia todas ocupadas.

O espetáculo tem muitas imagens e dinâmicas com o espaço. Uma das dinâmicas que se forma é o público participando da ceia, mas não todos. Apenas alguns espectadores conseguiram ocupar aquelas cadeiras colocadas em volta do palco. O restante do público saboreia com os olhos e olfato apenas. Eu me vi de fora daquela festa. Não pude acessar o banquete, mas fui dominada pelo cheiro da comida que se espalhou no ambiente. Observei aquelas pessoas brindando com vinho e comendo cuscuz. Apenas vi aquela cena e pensei: o que vou comer quando sair daqui?

Um brinde ao MEXA! Bom apetite!


Este texto é uma produção para as Escritas Primordiais, da Prática da Crítica, no eixo Olhares Críticos da 10ª MITsp. A atividade é coordenada por Rafael Ventuna, com supervisão de Sayonara Pereira e produção de Alice Mogadouro.

Simone Waissman é cientista de dados e atriz, pós-graduada em Data Mining. Há mais de 5 anos integra arte e dados no mercado corporativo e agora explora essa fusão no teatro. Como atriz, dedica-se à autoficção, investigando narrativas e padrões.