Ministério da Cultura
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 13 a 23 
 de Março 
 de 2025 

13 a 23 de Março de 2025

Uma viagem ancestral

por Cinthia Azevedo

Em Eu tenho uma história que se parece com a minha, com Tetembua Dandara, fui tragada para uma viagem ao passado, para lembranças das festas no interior. Festa preparada com carinho e capricho em cada detalhe. Aguçando todos os meus sentidos. Como uma canceriana ligada à família, me emocionei com cada detalhe: o aroma no fogão; o colorido dos tapetes, dos mobiliários e das peças da cozinha de vó; e a vitrola tocando as músicas que eu ouvia nos anos 90. 

O cantinho da vovó com a TV de tubo. Tinha até samambaias! Uma festa pra agregar, pra aconchegar, onde sempre cabia mais um e a comida parecia se multiplicar como no milagre dos pães.

Depois de degustar uma deliciosa sopa, que acredito ter sido preparada com a magia daqueles cadernos de receita passados de mão em mão por gerações e devorar um lindo livro de fotos – livro esse que serviu de ponto de partida para esse projeto, pudemos ouvir depoimentos de mulheres fortes, que carregam consigo uma ancestralidade latente: a avó, irmã e mãe da artista.

Em cada uma delas, a sabedoria e a mensagem que trazia fortemente o ciclo de vida e a força da mulher. Na sabedoria da doçura, da alegria e amor da avó, o orgulho na ancestralidade, a coragem, luta e ousadia da mãe em desbravar terrenos desconhecidos e dolorosos para assentar um chão confiável para que as filhas pudessem voar, seguir seus sonhos e criar novas bases e caminhos para as futuras gerações. E na irmã, que busca novas bases e formas de ajudar novas mulheres em causas necessárias, para novamente assentar novos pisos e voos. Ciclos, onde em cada escolha, se desenha um futuro.

Sinto que existe uma linha condutora nessa ancestralidade coletiva. Embora seja uma mulher branca e com certeza minha ancestralidade não teve um milésimo do sofrimento e luta de mulheres negras, consegui espelhar na minha avó, mãe e minhas irmãs essa linha condutora de luta por um espaço de valorização e reconhecimento de nossos quereres, de nossas vozes.

Como a multiplicação dos pães, na comida farta dessa festa, a multiplicação do conhecimento da luta bateu em mim muito forte e consigo ter orgulho em poder fazer arte hoje. Sempre imagino como foi a sensação da minha vó quando teve o seu bandolim quebrado em sua cabeça quando tocava escondido no cinema da cidade. Ou da minha mãe que abdicou de seus sonhos para cuidar das filhas enquanto meu pai viajava. A luta das mulheres da minha família não foi, não é e não será diferente da luta de todas as mulheres.

Definitivamente, saí dessa viagem muito emocionada e mais forte.


Este texto é uma produção para as Escritas Primordiais, da Prática da Crítica, no eixo Olhares Críticos da 10ª MITsp. A atividade é coordenada por Rafael Ventuna, com supervisão de Sayonara Pereira e produção de Alice Mogadouro.

Cinthia Azevedo é atriz, cantora, formada em Psicologia. Atuou em várias peças de Teatro, Teatro Musical e no audiovisual participou de curtas e médias metragens. Atualmente participando do grupo de experimentos em autoficção com o diretor Marcelo Varzea.