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 13 a 23 
 de Março 
 de 2025 

13 a 23 de Março de 2025

Sabedoria primordial e originária

por Renato Mascarenhas

Sempre me lembro da fala de uma sábia amiga que um dia questionou: “e o que é civilização, afinal? Os povos indígenas, por exemplo, são muito mais civilizados do que nós. Viver em comunhão com a Natureza, sem causar destruição, isso sim é ser civilizado. Tudo o que a gente precisa pra viver está na Natureza. É claro que agora estamos condicionados a viver de outra forma, mas se você parar pra pensar, tudo o que é essencial já estava ali.”

A lembrança desta conversa veio após eu assistir cosmopercepções da floresta, com João Paulo Lima Barreto, Sandra Nanayna, Larissa Ye’padiho Mota Duarte (Tukano), Anita Ekman e Renata Tupinambá em colaboração com Sunná Máret.

Quando chamo essa amiga de sábia, não é exagero. Essa fala aconteceu no nosso tempo de escola. E da mesma forma que nossa amizade sobreviveu ao tempo, essa nossa conversa, como muitas outras, permaneceu em minha memória como um belo aprendizado. Eu também me lembrei dela aos trinta anos, quando tive meu primeiro contato com medicinas sagradas da Natureza, em uma cerimônia xamânica. Foi uma experiência difícil de descrever em palavras, mas posso dizer que eu, agnóstico, me senti conectado a algo muito superior. Senti também o afloramento da minha essência, como se todas as cascas de proteção que desenvolvi ao longo da vida para me resguardar dos males do mundo, de repente, sumissem e eu pudesse ser de novo uma criança amorosa e sem medo. Quando penso que a substância que me levou a esse estado está disponível na Natureza, acho estarrecedor, no bom sentido.

Em cosmopercepções da floresta, projeto do Goethe-Institut apresentado na MITsp, a artista Sandra Nanayna nos conta um pouco sobre crenças e culturas de povos originários da América do Sul e Europa, começando pela ideia de viver em harmonia com as diferenças. “A habilidade de viver com as diferenças nos faz mais humanos, mais gente, mais pessoa.” Essa mensagem é poderosa em um mundo que vive em guerra e em sociedades nas quais os indivíduos são pressionados a viver de acordo com padrões pré-estabelecidos.

Sandra também nos conta que no Rio Negro ninguém se casa com alguém do mesmo grupo étnico, inclusive seus pais nem sequer falavam a mesma língua. A poesia das relações não depende da linguagem verbal e as diferenças culturais tendem a somar. Fico me perguntando: se eu tivesse eu crescido em uma sociedade com esse tipo de pensamento, precisaria ter criado todas as camadas de cascas de proteção que mencionei anteriormente?

Interessante pensar na ideia de progresso, algo tão relativo. Por vezes penso em como tudo aquilo que precisamos, de fato, sempre esteve ali. Até os pássaros sabem.


Este texto é uma produção para as Escritas Primordiais, da Prática da Crítica, no eixo Olhares Críticos da 10ª MITsp. A atividade é coordenada por Rafael Ventuna, com supervisão de Sayonara Pereira e produção de Alice Mogadouro.

Renato Mascarenhas é ator formado pela Escola de Atores Wolf Maya, iniciou-se no teatro em 2006 em sua cidade natal: Goiânia. Participou de grupo de estudos do Grupo Tapa. Na oficina de autoficção de Marcelo Varzea, redescobriu a escrita, à qual se dedica atualmente.