por Willians Muciati
Com uma combinação de múltiplas linguagens artísticas, nora chipaumire apresenta um lugar comum, pessoas, sorrisos, movimentos, cânticos, brincadeiras e angústias. Ela traz o Zimbábue para a 10ª MITsp, desde os cânticos e os vigorosos protestos, até o corpo que dança e transpira. Tudo aqui na periferia de São Paulo é um Dambudzo. Tudo ali no galpão do Sesc Pompeia, por um instante, é ancestralidade, é Zimbábue.
Aleluia… aleluia… aleluia… Foi assim, em uma longa volta pelo espaço, que o cristianismo foi evocado por duas mulheres sorridentes, uma com um guarda-chuva nas mãos e a outra com uma placa escrita a palavra “Saved”, na boca a palavra dita com clara firmeza: aleluia… Logo lembrei de um tempo e de lugares colonialistas que eu já vivi. Naquele tempo o cristianismo tinha que ser levado a todas as pessoas para que elas pudessem ter a “dita salvação”.
Lembrei das missões cristãs que iam até os povos originários e os catequizavam: eles “matavam” sua fé e lhes apresentavam o seu deus e o seu demônio cristão. Assim o fazem até os dias de hoje. Salvem os pretos de si, salvem os pretos de suas crenças, salvem eles de seus instintos, salvem eles de suas danças profanas, salvem os pretos de suas músicas, aleluia, salvem todos! Assim ecoou aquela cena em mim, tão simples e tão potente de reflexões sensíveis sobre o poder e a influência do colonizador.
Qual é o problema?
A colonialidade que afeta o Zimbábue também afeta o Brasil. Em cada país com demandas distintas, mas com a mesma lógica. É nesse sentido que Dambudzo apresenta tensões e questões que dialogam com o desejo de emancipação dos aspectos estruturais das sociedades em que o capitalismo colocou seus tentáculos.
Nessa performance, quase tudo é possível escolher como experiência estética, de um ponto ao outro do espaço, você pode dialogar com o dambudzo (problema em xona, uma língua bantu) proposto. Porém, algo estranho naquele espaço transforma sua atmosfera, é algo que foge do controle, a presença marcante dos cães, eles parecem estar à espreita, à sua procura. Essa presença, marcada por um áudio compilado com ruídos e distorções, incomoda e rompe com o desejo de linearidade reforçando a questão: qual é o problema?
Os cães estão à porta.
Os cães estão famintos.
Sinto seu cheiro.
Os cães não dormem.
Os cães estão atrás de mim.
Os cães estão atrás de nós.
Dambudzo provoca.
Dambudzo é um problema e não uma resposta.
Este texto é uma produção para as Escritas Primordiais, da Prática da Crítica, no eixo Olhares Críticos da 10ª MITsp. A atividade é coordenada por Rafael Ventuna, com supervisão de Sayonara Pereira e produção de Alice Mogadouro.
Willians Muciati é graduado em Educação Física e Teatro, pós-graduado em CORPO: Dança, Teatro e Performance. Atua como educador físico no Sesc SP e participa como pesquisador no LAPETT-ECA-USP. Pesquisa linguagem cênica, teatralidade e corporeidade.