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 13 a 23 
 de Março 
 de 2025 

13 a 23 de Março de 2025

De cara com a dor

De cara com a dor

por Eduardo Godoy

É preciso muita coragem, disciplina e estudo – requisitos que o Grupo Girino demonstra ter de sobra em Desmonte – para se manifestar em um grupo com três artistas sobre as dores das vítimas atingidas diretamente e indiretamente pelas tragédias causadas em Brumadinho e Mariana.

A peça, que começa naquela luz de tensão, faz o espectador entender de imediato o que está por vir. A entrada dos artistas sobre as cadeiras, já sinalizando um pedido de socorro, dá um soco no estômago. Manuseando máscaras, maquetes e bonecos, o grupo consegue, de maneira delicada, nos apresentar cenicamente um outro olhar sobre as tragédias. A sonoplastia, fio condutor do espetáculo, nos leva a sensações e sentimentos de dor e revolta.

Mas o que aprendemos com essas tragédias? Como mudamos nossa percepção de mundo através de um acontecimento tão horrível que foi escancarado para todo o planeta? Como acolher as vítimas que passaram e ainda passam por isso quando fecham os olhos e se deparam com lama?

O grupo foi extremamente capaz de passar para a plateia todos esses questionamentos. A sutileza do trabalho se dá nos pequenos detalhes de encenação, como o choro de uma criança e a imagem de uma mulher grávida. O parto doloroso, a última fase da vida daquela senhora e a morte daquele trabalhador.

Fugindo do óbvio, o grupo não foca apenas nas imagens da tragédia, mas conta, através das manipulações, a vida e o cotidiano das pessoas que ali moravam. O pedido de socorro é retratado pela visão escura que vai mostrando o fim daquele ambiente, que antes era todo verde e cheio de vida, transformando-se em um cenário de morte: da natureza, das pessoas e dos animais. A vida que ali parecia ser boa vai se desfazendo e se tornando o maior pesadelo possível.

Ao final da peça, vemos o último suspiro de um peixe, que pode também ser o último suspiro da humanidade. Se não estivermos atentos às políticas ambientais e se não ficarmos de olho em empresas que não pensam nas consequências de suas ações apenas para enriquecer, estaremos também nesse último suspiro. É agonizando que queremos viver?


Este texto é uma produção para as Escritas Primordiais, da Prática da Crítica, no eixo Olhares Críticos da 10ª MITsp. A atividade é coordenada por Rafael Ventuna, com supervisão de Sayonara Pereira e produção de Alice Mogadouro.

Eduardo Godoy, natural de Recife, é formado em Teatro pela Escola Fiandeiros. Atuou em mais de 10 espetáculos e hoje integra o Coletivo Impermanente. Atualmente vive em São Paulo.