- Fortaleza é estranho e se salva e nos salva por ser estranho. Estranho até para os padrões curatoriais MITsp 2022. Tem os que não se salvem. Que queiram negar aquilo ali. Torcer o nariz. O poder da estranheza — até para os padrões brancontemporâneos.
- Um pulso constante atravessa os corpos. Deles e nossos. Flecha no corpo da história. Sem palavras, agora de verdade. Parece ressoar do coração do Brasil. Desespero, loucura, miséria, sexo sujo. Durante o festival vi muito disso, passando pela Sé.
- A cidade de São Paulo é a real Fortaleza. Vejam.
- É preciso procurar discernir as sombras, mais que os corpos. Relação invertida. Os corpos são simulacros. As sombras a realidade. As sombras são múltiplas, mas poucos as vêem, preferem ficar na evidência do que-se-apresenta.
- Haveria que fugir para as cavernas?
- Pelo menos nesse palco os corpos respiravam. Não tenho muitas lembranças de ter visto corpos respirando nos palcos desses anos. Como é estranho um corpo respirando. Os corpos da cena contemporânea não respiram.
- Aliás, durante o festival eu vi um robô respirando.
- Não se trata de procurar um sentido em Fortaleza. Trata-se de deixar-se levar ou não deixar-se levar por aquilo que, aliás, já está entre nós: o pulso do coração de um país. Se tivesse que bater esteticamente, bateria como lá em Fortaleza: estranho, genuíno, bizarramente contemporâneo (parece uma caricatura de certas outras obras), peguento, gritão.
- Também não me lembro de ter visto gente gritando nos palcos contemporâneos. Isso tem anos que não vejo. O sujeito artista contemporâneo é contido, como se contenção significasse elegância. Mas em Fortaleza tem gente gritando. Que bom. Que gritem mais.
- E que tenham forças para escutar de pé o silêncio dos torcedores-de-nariz. Paciência. Eles não sabem o que não fazem.