Por Melissa Yabuki

Um tribunal. Uma igreja destruída com objetos sujos de sangue. Corpos de adultos e criança cobertos no meio do que era um vilarejo, agora destruído. São os primeiros minutos das cenas do filme Tribunal Congo, projeto do encenador suíço Milo Rau. Inédita no Brasil, a produção foi exibida na programação da 5ª MITsp – Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, no espaço Anexo do Espaço Itaú, na última quinta-feira (8).

Rau, fundador da companhia de produção  International Institute of Political murder (IIPM,) criou o projeto Tribunal Congo após quatro meses de pesquisa e preparação. O tribunal fictício realizado em um colégio de Bukavu, no Congo, é protagonizado por figuras reais como o advogado Sylvestre Bisimwa, que investiga o estupro em massa na cidade de Minova, além de juízes, ativistas, testemunhas e vítimas. O próprio diretor abre a tribuna para o auditório lotado com a população e autoridades locais para um “espaço aberto a todos para serem ouvidos e ouvirem as histórias”.

A guerra civil, que ocorre na região dos Grandes Lagos, no Congo, já matou mais de seis milhões de civis, desde 1996, num complexo jogo de poder politico entre estado, exército nacional, empresas mineradoras estrangeiras e grupos armados.

Entre várias testemunhas presentes no tribunal e depoimento gravados, um padre questiona a “proteção recebida” pelas tropas das Nação Unidas diante do ataque sofrido pelas milícias ao vilarejo Mutarule.  O conselheiro local da ONU rebate: “ As tropas da ONU não estão autorizados a combater grupos armados”, deixando ainda mais perturbador o cenário atual local do Leste congolês.

Um dos pontos mais inquietantes no tribunal foi apresentado pela testemunha anônima J, ex- minerador, vestido numa roupa similar de proteção radioativa. Ele conta que, com a chegada da empresa multinacional, foi expulso, perdendo emprego e condições de vida, o que o levou a entrar para um grupo armado em busca de justiça e recurso. Ao ser indagado sobre a situação, J culpa autoridades locais pela fragilidade e impotência para controlar o comércio internacional. Ao ser questionado se o grupo admite o estupro em massa, ele afirma: “da mesma forma como o Exército Nacional faz”.

“O tribunal deixou de ser uma criação nossa, mas passou a ser do público”, conta a dramaturga e pesquisadora Eva-Maria Bertschy, assistente do diretor, que participou da conversa após a exibição ser finalizada sob aplausos eloquentes.

Durante a conversa, um congolês presente na plateia perguntou o motivo de não ter sido concedido espaço às autoridades do governo local, presente na tribuna, para se manifestar no final da audiência, “já que eles teriam todas as informações nas mãos”.

Segundo Bertschy, o Governo apesar de ter tido o espaço da fala, teve um discurso politizado demais e “não conseguimos encaixar suas palavras no contexto”.

Ela ainda destacou que, para ao lançamento do filme em 2017, a equipe voltou ao local das filmagens e o exibiu para mais de 300 civis congoleses de uma igreja local. “Muitos se apoderaram do filme como sendo o filme deles, pois ele não só deixou de promover a experiência de muitos presentes, mas deixou pública a situação”.

A equipe de Rau continua engajada no projeto e segue na divulgação do filme e no apoio financeiro e logístico das áreas locais da filmagem. Promoção para o apoio para outros tribunais em outros países e uma discussão de uma criação de um parlamento global diante da ONU e da União Europeia também estão sendo levados em consideração.

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