O foco nas atrizes de As Irmãs Macaluso

Em encontro do Pensamento-em-Perspectiva, as atrizes da Compagnia Sud Costa Occidentale comentaram o foco da diretora Emma Dante, de As Irmãs Macaluso, no trabalho rigoroso de atuação.  Segundo elas, essa pesquisa se fundamenta na busca da verdade de um sentimento e de um gesto, de modo que nada deve ser previsto anteriormente. O trabalho parte de improvisações em sala de ensaio, nas quais os atores foram deixados de camisa e calça preta (um dos figurinos do espetáculo) e sem nenhuma indicação da diretora.

“Eu não sabia o que fazer às vezes, pois naquele momento a situação não me sugeria nada ou eu tinha medo de realizar alguma coisa que acabasse sendo errada. Mas ela nos faz ter coragem de dizer e fazer coisas que nunca faríamos na vida. Às vezes, ela até sugeria alguma coisa, mas aí já não valia porque foi ela quem falou. Improvisar era muito difícil, mas era este o caminho, escuro e estreito, e tínhamos que ter coragem de atravessá-lo”, contou Serena Barone.

Parte dessas improvisações sobrevive até o espetáculo, outras são descartadas no percurso. Não existe a figura do dramaturgo nem mesmo de cenógrafo ou figurinista; o trabalho em conjunto é feito pela diretora e pelos atores, recorrendo a figurinos já usados e “impregnados de histórias”.

A sede do grupo fica em um porão localizado num bairro da periferia da cidade, onde funcionou no passado uma fábrica de sapatos. Trata-se de um espaço autofinanciado e mantido com o trabalho da companhia. Lá, ficam guardados os objetos com os quais elas criam. Em 2008, o sucesso da ópera Carmem fez projetou a diretora na cidade de Palermo e gerou um convite para Emma Dante tornar-se artista residente do Teatro Stabile.

Toda a criação nasce das próprias atrizes e dos atores. “Pessoalmente, não usei nenhuma fonte nem literária nem filosófica, não é esse o caminho que Emma segue. Acho que cada um de nós recorreu a alguma coisa que pertence à própria família ou a um modo de ser, que talvez não se manifeste correntemente na vida. Depois que (a personagem) Maria nasceu, eu percebi que reproduzia posturas de algumas pessoas da minha família que são muito ligadas. As improvisações são feitas depois de andarmos muito e, por estarmos cansados, surge uma postura física que a gente nem percebe, mas a Emma percebe e faz com que desenvolvamos isso. Então nasce do corpo e cada um de nós tem gestos que se reptem ou não, mas permanecem na bagagem daquele personagem: uma careta, um modo de rir”, disse a atriz Alessandra Fazzino.

Poético

No Percurso em Perspectiva, a professora Maria Lucia Pupo (USP) destacou que, “a partir de um começo em que está diante da rudeza e de falas tão prosaicas, o espetáculo evolui para um tratamento poético”. Ela retomou a ideia proferida pelo psicanista Renato Mezan sobre uma dificuldade de elaboração simbólica por parte das personagens de As Irmãs Macaluso, “imersas em um universo de imediatez”. “Ao mesmo tempo, o tratamento poético as humaniza, dá um calor e carinho para as personagens que é muito tocante, em meio a um mundo onde os rituais são vazios de sentido”, observou, recordando a marcha rígida do enterro no início do espetáculo.