13/03/2015 | Luciana Romagnolli
No Diálogo Transversal de Stifters Dinge, com o crítico e professor Camillo Osório, o encenador alemão Heiner Goebbels voltou ao palco para também conversar com o público.
Osório situou a experiência do espetáculo na tensão entre e encantamento e o desencantamento. “A primeira referência que me veio foi a caverna do Platão e a vontade de nos trazer de volta para o interior da caverna, para a ilusão, a fascinação dos reflexos, para aquilo que é real e não é, sonho e luz. Esse universo metafísico é ao mesmo tempo experiência e sublime, que é esse irrepresentável”, disse.
Ao aproximar o espetáculo de referências das artes visuais, o professor lembrou o romantismo alemão de Friedrich e, no oposto, Constable, “de paisagens mais singelas e detalhes concretos”, empíricos. Ainda nos detalhes, nas pequenas coisas, viu a explosão de intensidade de Barnett Newman. Ao mesmo tempo que, sem o sujeito em cena, segundo ele, o teatro organiza “uma avalanche de microsensações que se inscrevem no corpo e dão sentido”. Um modo de “destemor diante da fascinação do sensível” e que promove a experiência de que”o que está refletido e o real não são a mesma coisa”, observou.
Ao tomar a palavra, Goebbels falou da dificuldade do papel em que se encontrava. “Porque o que eu costumo ouvir do público depois dessas performances é ‘finalmente não tem ninguém no palco para me dizer o que pensar'”. Para mim, é um trabalho muito concreto. Não é que eu já tenha uma afirmação sobre tudo isso. Tem claramente muito trabalho insconsciente de toda equipe. Não é um trabalho com a visão singular de um diretor, mas de uma equipe que trabalha junto, na tecnologia inclusive. E é muito difícil separar o que é arte e o que é técnica nesse show. E não é tão fácil definir o que é uma boa cena quando as improvisamos, porque não estamos criando o símbolo de alguma coisa”, disse. Se uma ideia vai para a cena, segundo ele, é por puro gosto.
O Goebbels gosta especialmente de criar estruturas nas quais faça-se uma divisão entre o que se vê e o que se ouve, situando entre essas duas dimensões o espaço da imaginação. “Pode-se pensar em Platão ou no pôr do sol na praia”, disse, citando interpretações que já ouviu para Stifters Dinge.
O projeto do espetáculo nasceu não de uma imagem, mas de uma questão: seria possível fazer uma apresentação para um grupo de pessoas sem a performance humana – sem a identificação com o ator? “Eu queria trabalhar com piano, e o cenógrafo, com a água. E depois de um ano tínhamos três piscinas e cinco pianos. Houve uma observação muito cuidadosa de cada elemento. A gente quer trazer ao palco elementos que às vezes não têm essa importância: trazer a cortina como protagonista, por exemplo”, citou. “Nesse processo, cada elemento impunha outras necessidades. Quando você olha par a água por muito tempo, começa a pensar nisso. Então, a peça começou sem aparte visual, mas tudo em que a gente trabalhava tinha potencial de articular essa importância do visual”. As próprias músicas – a exceção de uma peça de Bach – foram compostas depois que os instrumentos foram construídos.
Goebbels falou ainda da relação construída com o público. “A gente percebeu em trabalhos anteriores que se você não mostra uma coisa de cara no teatro, mas constrói o teatro como uma forma de descoberta, a motivação e a imaginação do público são ativadas. A gente queria criar uma peça não sem humanos, mas com os humanos sentados desse lado do palco”, disse, apontando a plateia.