26/03/2015 | Luciana Romagnolli

Convidado a acompanhar a MITsp e a apresentar suas observações na mesa sobre as Matrizes da Cena Atual, o crítico e professor espanhol José A. Sánchez ressaltou o caráter de exceção da mostra “pela ambição artística muito forte, no sentido de Hanna Arendt, da arte como pensamento, com a função de criar um espaço de ressonância que faz com que tenhamos diante dos espetáculos a atitude de pessoas que querem compartilhar pensamento”. “Teatro não como entretenimento, mas como arte e pensamento”, frisou.
Sánchez destacou três aspectos em sua observação: a contemplação, os dispositivos e a responsabilidade. Contudo, só teve tempo de desenvolver os dois primeiros antes de embarcar de volta à Espanha, onde lançou livros como Dramaturgias de la Imagen e Prácticas de lo Real.
Contemplação
“O pensamento precisa de atenção, pausa. Vivemos em uma sociedade performativa. Fazer tornou-se um dogma. Se não fazemos, não somos visíveis e não existimos. Quarenta anos atrás era resistência, tornou-se dogma que obstaculiza o pensamento. A produtividade da economia agora não é baseada na matéria, mas no virtual. Fazer é um modo de contribuir com o sistema especulativo”, disse, anunciando a transição de uma Sociedade do Espetáculo, tal qual descrita por Guy Debord, para uma Sociedade da Performatividade. Na qual a resistência está em “fazer pausas, contemplar, olhar”. “Alguns artistas optaram pela detenção, ou recuperação das coisas enquanto coisas. Temos que não fazer”.
Sanchéz distinguiu três classes de coisas: as consumíveis (comer), as fundíveis (usar) e as miráveis (olhar). “E a arte tem que ser vista ocmo coisa para olhar, não para comer, que é o princípio do sistema capitalista. Então temos que lutar contra a fome. O sistema capitalista é baseado na incitação da fome”.
No universo de espetáculos apresentados pela MITsp, o espanhol destaca entre os artistas que, como disse, “lutaram contra a fome”, Heiner Goebbels, Arkadi Zaides e Dmitry Krymov. Em Stifters Dinge, de Goebbels, viu “a contemplação em relação com a melancolia, e um mundo sem seres humanos. Fazer a filosofia saindo dos termos linguísticos”. “Tem que haver um modo de pensar o mundo sem linguagem”, provocou. Já em Arquivo, “a observação de Zaides é o contrário à agressão”, disse, lembrando que o próximo espetáculo do coreógrafo israelense será criado sobre a imobilidade. Enquanto isso, em Opus Nº 7, de Krymov, a resistência se dá, segundo Sánchez, pela “inutilidade”. “Não tanto como contemplação, mas pelo fazer de coisas inúteis, que são os jogos”.
Cena de Opus Nº 7, de Dmitry Krymov.
Dispositivos
Sánchez relacionou as conexões entre teatro e cinema, presentes em parte dos espetáculos, a questões de linguagem, mas também à ideia de dispositivo, no sentido investigado por Foucault e Deleuze, “como articuladores de linhas de saber, poder e subjetividade que só existem dentro dos dispositivos”, cabendo a estes tornar possíveis “a comunicação, a sociabilidade e a subjetividade”. Citou ainda o filósofo italiano Giorgio Agamben, outro a tratar em seus escritos do tema dispositivo da perspectiva do “descentramento do ser humano” por meio de uma coisa (o dispositivo) que torna possível a subjetividade; e a identificar na arte as possibilidades de profanação e de contradispositivos.
“Goebbels constrói um dispositivo. É um trabalho coletivo, em modo diverso das criações coletivas do passado, porque o dispositivo cria a sua lei. As constribuições são mediadas pelo dispositivo. Geram uma comunidade de seres vivos e coisas, de palco e plateia. Isso faz ser possível construir um espetáculo sem atores, em que os seres vivos estão na plateia”, observou.
Em Senhorita Julia, segundo ele, o dispositivo coloca o drama – e os seres vivos – em segundo plano, por um protagonismo das coisas. “Isso é muito estranho, porque se utiliza uma imagem virtual que traz a materialidade das coisas. São sensações muito físicas trazidas pelo dispositivo”, disse. Nas obras de Christiane Jatahy, “é o contrário: a profanação do dispositivo fílmico”. “Os corpos transbordam o dispositivo, utilizando também espectadores dos dois lados da tela. Criam uma situação sensível e orgãnica. Esses dispositivos produzem relações diferentes. E a profanação do dispositivo produz uma comunidade orgância sensível”.
 Cena de E se Elas Fossem para Moscou?, a peça, de Christiane Jatahy.