por Angie Rodrigues
Antes mesmo de entrar, a performance parece já ter se iniciado ao lado de fora do edifício da Fiesp, pois havia lá um ônibus da polícia, várias viaturas e diversos policiais — uma visão impactante. Baculejo, do Coletivo Riddims, é um termo popular que significa revista policial, muitas vezes realizada de forma violenta em corpos racializados ou marginalizados.
Pensei: será que vamos presenciar um baculejo aqui? Senti uma agonia, mas segui. Ao adentrar o edifício, ainda carregando aquela imagem e inquietação, fui recebida carinhosamente pelos performers e produção, que entregaram pequenas doses de cachaça chamada Baculejada, uma deliciosa criação do diretor Erick Flor. Desde o início, fica evidente a feitura coletiva do espetáculo: uma obra artesanal, feita a muitas mãos e com profundo carinho, o que parece ser característica do coletivo.
Dentro do espaço cênico, o aquecimento para a experiência se iniciou. O DJ Coreano comandava o som. Mais cachaça foi distribuída e a presença do altar colorido, cheio de adornos roubava a atenção de todos. A ancestralidade é presença física nas fotos que o coletivo traz para seu altar, reforçando a conexão entre arte e ancestralidade.
O espaço cênico era modulado conforme os performers entravam e iniciavam a condução do público. A dança é o elemento que liga e conduz a obra. O pulsar de vida dos corpos prende nosso olhar do começo ao fim. Meu corpo vibrou a todo momento com eles, ora em celebração ora em tensão.
As falas de Erika Hilton e Ailton Krenak, mixadas de forma primorosa pelo DJ Coreano, deram o tom, reafirmando que comunidades LGBTQIAPN+, negras e indígenas devem ser respeitadas, nunca ameaçadas. Nessa performance, esses corpos vão além: mais que respeitados, são celebrados. O espetáculo desafia a violência estrutural ao transformar resistência em festa e dor em potência criativa.
O sonho assusta, sobretudo aqueles que, além de não se permitirem sonhar, censuram o sonho alheio por medo. Mas Baculejo nos lembra que sonhar também é um ato político.
Ao Coletivo Riddims, agradeço por criar uma terra fértil para o sonhar. Esse chão anda escasso em um mundo há muito tempo colapsado. O coletivo trouxe, sem qualquer ingenuidade, mas com muita alegria, um espaço possível: de encontros, de sonhos, de dança e celebração. Deixei no altar minha vela, guardando minha prece por mais possibilidades de realizar encontros transformadores como esse que vivenciei. Minha prece é pela continuidade dos caminhos — que Baculejo siga desendurecendo estruturas.
Este texto é uma produção para as Escritas Primordiais, da Prática da Crítica, no eixo Olhares Críticos da 10ª MITsp. A atividade é coordenada por Rafael Ventuna, com supervisão de Sayonara Pereira e produção de Alice Mogadouro.
Angie Rodrigues é atriz, artista visual e produtora cultural, formada em Teatro (FURB). Faz parte do elenco artístico e da atual gestão da ONG Canto Cidadão, integra o elenco da peça O que meu corpo nu te conta? do Coletivo Impermanente e direção de Marcelo Varzea.