Por Wesley Ribeiro
A consciência do corpo negro no mundo, suas liberdades e a conscientização de uma esquerda unificada com uma nova noção identitária de classes foram os pontos principais da mesa redonda O Devir Negro no Mundo, que compõe a programação da 5ª MITsp – Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, e ocorreu na tarde da última quarta-feira (7), no Itaú Cultural.
José Fernando Azevedo, Rosane Borges e Tatiana Roque discutiram os temas abordados da obra do camaroense Achille Mbembe, Necropolítica, que trata do conceito de negro e do homem mercadoria. A conversa foi mediada pelo filósofo
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A primeira a falar na mesa foi a jornalista e professora de comunicação Rosane Borges, que abordou o livro para se referir às relações perigosas do neoliberalismo no momento atual e a nova colocação dos corpos e do corpo negro em um sistema onde todo corpo vale como moeda de troca. “Aqueles não negros começarão a sentir agora uma condição universal da negritude. Tudo que o povo negro sentiu durante a sociedade moderna, toda subalternização que sofreu este corpo, encarado como aquele com o qual se pode fazer tudo, sem pedir perdão”, afirmou a jornalista, ao falar sobre a condição humana dentro do capitalismo em sua forma bruta.
Borges também criticou a falta de responsabilidade ética do estado brasileiro com os seus civis, denunciando o genocídio negro ocasionado pelo sistema militarizado de segurança pública para uma plateia que esgotou os ingressos com bastante antecedência e que assistia atentamente e com sinais de êxtase toda a sua fala.
Em seguida, a filósofa e professora Tatiana Roque fez sua intervenção respeitando o local de fala. Ela fez uma ligação entre a ideia do devir negro no mundo e o devir das minorias dentro do contexto do mundo atual.
Para Roque, a ideia universal da luta de classes está em conflito com as novas lutas identitárias, o que prejudica muito a esquerda. “Nós vemos militantes da esquerda se referindo aos militantes lgbt, negros e feministas como indivíduos que estão fragmentando a esquerda e suas lutas”, criticou Roque.
Na última fala da mesa, o filósofo e professor de dramaturgia José Fernando Azevedo falou sobre o reconhecimento de si como um corpo negro e como se pode perceber a diferença nos olhares dos corpos, ao ponto em que “se possa reconhecer os que nos veem como um corpo inimigo”.
Emocionado, o dramaturgo contou histórias sobre sua experiência no teatro e na filosofia, entre elas, ao ir a um terreiro de candomblé. Neto de mãe de santo, Azevedo nunca havia ido a uma cerimônia, e sua ida ocorreu para estudos antropológicos. Fazendo brincadeiras entre o místico e o fato dele ser um filósofo de escola alemã, contou como foi a sua experiência com o transe, e como este estado é um convívio entre aqueles que estão aqui e os que já se foram. “Essas vozes voltam e voltam porque reclamam justiça”, disse.
Na conclusão da sua fala e da mesa, Azevedo chamou atenção para a consciência escravocrata que existe no pensamento do brasileiro: “Nos defrontamos todo o tempo com sintomas desse fantasma, que convive e define a forma de convívio e sociabilidade no nosso país, onde não somos a minoria, somos quase todos negros.”