Por João Martins
A ideia de arte como uma esfera social distinta e acrítica, pela qual não atravessam questões de políticas, de gênero e raça, está morta. Ela é indissociável do processo sócio-histórico e mantém uma relação dialética com ele.
Restam então as seguintes questões: para quem serve a liberdade artística quando toda crítica é invalidada em nome dela? De que adiantam peças socialmente engajadas se esse teor não ultrapassa as portas do teatro? Essas foram algumas das questões levantadas na segunda parte da mesa Crítica não é censura: de quem é a arte que pode tudo?, na seção Olhares Críticos da 5ª MITsp – Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, na última sexta-feira (9).
“A liberdade como conceito abstrato serve apenas para beneficiar grupos socialmente privilegiados”, defendeu Juliano Gomes, referindo-se à primeira questão. Em sua fala, o crítico de cinema carioca defendeu que a prática da crítica deve fundamentar-se na alteridade, “tomando suas posições, porém compartilhando seus porquês, expondo seus horizontes”.
A produtora mineira Aline Vila Real retomou o exemplo do espetáculo Palavra de Stela, dado por Georgette Fadel. A plateia que assistiu à peça baseada na vida e obra da poetisa Stela do Patrocínio era esmagadoramente composta por pessoas brancas, pertencentes a um grupo socioeconômico privilegiado, enquanto mulheres negras e periféricas como Stela, pelos mais diversos motivos, eram impossibilitadas de assistir à apresentação. Em um país cujas raízes indígenas e africanas são inegáveis, disse Aline “a questão é a representatividade, porque a visibilidade já está aí”.
Ao final da mesa, todos os seus participantes ressaltaram a importância da linguagem, tanto como ferramenta de empoderamento quanto de manutenção da ordem social.
É assim que se explica a necessidade do uso dos termos “transiarcado”, “ovolação”, “transpofagia” apresentados pela atriz Renata Carvalho, que interpreta Cristo em O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu, e também na Carta aberta do Movimento Nacional de Artistas Trans para todos os artistas cisgêneros, do qual Renata faz parte. “É essencial que o movimento artístico proponha uma nova linguagem junto com a emergência de uma ação política”, disse Juliano.