Por Gabriela Testa

“Se gravássemos tudo o que ouvimos iríamos perceber a quantidade de diferentes falas que nos rodeiam”, disse o encenador francês Joris Lacoste em diálogo com Nuno Ramos em debate da seção Olhares Críticos da 5ª MITsp – Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, na última segunda, dia 5.

Ambos os artistas abordaram a relação entre falas cotidianas e suas respectivas montagens teatrais, que fazem parte da programação da 5ª MITsp, agora em 2018. Ramos considera o estado da vida atual como uma “infinita ciranda contemporânea”, fazendo menção ao bombardeio de informações diárias dos novos meios digitais. Em seu trabalho A Gente Se Vê Por Aqui, dois atores que assistem à TV Globo serão responsáveis por “resgatar uma fala viva, em um espaço público atravessado por interesses”, como comentou o próprio autor.

Já o artista francês Joris Lacoste comentou sobre seu processo criativo para o espetáculo Suíte n°2. “Trabalhar com o real é uma ferramenta”, disse. Em sua montagem foram selecionadas falas que fazem parte de um arquivo reunido pelo dramaturgo. No palco, apenas cinco atores vestidos de preto interagem entre si a partir da seleção dessas enunciações, de um presidente norte-americano a uma mensagem no correio de voz de um brasileiro.

O mimetismo das falas nos espetáculos foi abordado por ambos no debate. Ramos ressaltou que dentro dos dois processos criativos há uma busca em trazer falas vivas, do cotidiano, incomuns a peças teatrais, para dentro deste ambiente. “As palavras devem achar o seu lugar de fala”, disse o artista brasileiro. Nas duas produções artísticas, a palavra é personagem principal e, portanto, isolada de seu contexto inicial, “a palavra brilha” como enfatizou Ramos.

O artista brasileiro também afirmou que “o público é um grande fantasma”, em resposta à pergunta da mediadora Maria Eugênia de Menezes, sobre o lugar do espectador em meio a estas frases cotidianas. Ramos acredita em um impasse na possibilidade dessa resposta do público no Brasil. Segundo ele, o retorno do público atravessa uma interrupção, ou seja, o retorno é frágil. A ideia trazida pela peça logo se desfaz, perdendo a possibilidade de ser passada de volta ao autor.

Já Lacoste, por outro lado, apontou que tem como objetivo que suas peças deem ao espectador margem para interpretações diversas. “Eu nunca penso que vou comunicar algo específico”.

Frases do cotidiano são levadas ao espetáculo Suíte n°2 e frases são sobrepostas a uma programação televisiva no espetáculo A Gente Se Vê Por Aqui. Quando, graças às redes sociais, cada vez mais se polarizam posições e a escuta se torna praticamente impossível, o retorno ao principio da linguagem ganha contornos de urgência.

 

 

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