Por Isabella Marzolla

“Se o rei diz que você é louco então você tem a porra de um problema”. É a partir da revolta e repulsa aos costumes e normas da sociedade, que o diretor e dramaturgo suíço Boris Nikitin analisou sua versão de Hamlet, em conversa sobre seus processos criativos. A fala ocorreu na última quarta (7), no Pensamento-em-Processo do eixo Olhares Críticos da 5° edição da MITsp  –  Mostra Internacional de Teatro de São Paulo.

Lá, Nikitin enfatizou como trabalha em uma concepção bastante divergente do que seria um teatro usual e com atores convencionais. Para tanto, ele utiliza até elementos que usualmente não compartilham o mesmo palco, como uma performance eletro-punk e um quarteto barroco.

Hamlet é interpretado por um único ator, Julian Meding, que segundo Nikitin é essencial no espetáculo. “É tudo sobre o Julian, o performer, ele fala sobre sua vida, portanto partimos de uma abordagem não ficcional, mas que relembre Hamlet”, contou o suíço.

Durante os últimos dez anos, ele afirma ter trabalhado para resgatar em suas produções o combate ao molde de questões como a representação da realidade e da identidade. “Como reproduzir a realidade? Como e quem definiu esse modelo de realidade ou de identidade com o qual nos familiarizamos?”, são questões que Nikitin afirma estar em suas obras. “A ideia é quebrar esse estigma ou imaginário do que são as coisas, ou de como nos devemos agir ou sentir em determinadas situações. É contra essa ditadura social, que quer limitar e controlar a todos”, explicou o dramaturgo.

Para ele, a maneira como Meding atua com expressões ora de angústia e ódio, ora de simpatia e sedução intrigando e provocando a plateia aponta que sua identidade é única e fluída. “É sobre ser alguém e não precisar ser alguém”, afirma referindo-se à famosa frase da peça de Shakespeare, “to be or not to be”.

A forte negação de produzir um teatro tradicional vem, de acordo com Nikitin, “da falta de veracidade nas performances, que acontecem porque só os profissionais atuam, e eles nem sempre deveriam ser o referencial, seja para transmitir os sentimentos ou a estética da população mesmo”. Por isso a escolha do ator foi decisiva: “eu gosto de trabalhar com pessoas que normalmente não estariam nos palco, gente que tem um potencial diferente”, contou. Meding conquistou Nikitin, pois “o conceito e abordagem de Julian e Hamlet combinavam e assim a peça se tornou uma mistura biográfica”.

Ao longo da performance, Meding aborda em pormenores vários assuntos cotidianos, críticos e marcantes de sua biografia, como a sexualidade, a orientação sexual, a morte, as doenças, as expectativas da vida e sobre saber lidar com elas, sobre memórias culturais, entre outros. Assim, Nikitin cria um Hamlet com a intenção de “tocar em conceitos e assuntos que normalmente não são tão tocados, tornando-os visíveis e mostrando que todos os homens são vulneráveis a eles”.